Defesa pública contra acusação de crime ambiental

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“Para não negar sua trajetória política e seus compromissos com os demais trabalhadores extrativistas, a Osmarino interessa, mais do que a comprovação de sua inocência, não permitir que o Judiciário caracterize o corte de árvores pelos moradores da RESEX para uso próprio como crime ambiental (no caso, dano a uma Unidade de Conservação). No atual contexto sociopolítico da Amazônia, não é a reputação de Osmarino – ou mesmo sua liberdade – que está em jogo. Evitar que as populações tradicionais sejam criminalizadas, assumindo o papel de bode expiatório da exploração predatória na região, é, na verdade, o grande desafio que devemos enfrentar”.

Confira o texto O Direito Penal não protege a floresta – A história de um seringueiro transformado em “criminoso ambiental” e seus anexos I e II para compreender as acusações feitas contra Osmarino.

Complemento: Destaques do laudo técnico elaborado pelo Professor Dr. Ariovaldo Umbelino de Oliveira em agosto de 2014.

Direito de resposta?

Por CM Amazônia

Manhã de domingo, dia 08 de dezembro de 2013. Fomos surpreendidos por uma reportagem publicada no Jornal O Globo que traz graves acusações a Osmarino. O autor da matéria é considerado um dos mais premiados e respeitados jornalistas investigativos do Brasil. Ainda assim, escreveu um texto repleto de incorreções, algumas delas absurdas. Tenha ou não sido induzido ao erro pelas pessoas que entrevistou, isso pouco importa. O texto é superficial e passa informações equivocadas sobre a realidade do Acre e da RESEX Chico Mendes, apostando em um tom dramático que nada acrescenta ao debate – necessário – sobre os problemas enfrentados pelos seringueiros e trabalhadores agroextrativistas na Amazônia.

A manchete traz uma afirmação verdadeira (desde a década de 1970, pelo menos): “Na terra de Chico Mendes, borracha perde espaço para pecuária e motosserras”. O problema é que a análise desse tema tão importante é feita de forma extremamente simplista. Com “ingenuidade” ou não, ao governo da Frente Popular no Acre é atribuída a tentativa de frear o ritmo de desmatamento na RESEX Chico Mendes [1]. Por outro lado, os seringueiros são apontados como agentes do desmatamento, que agora fazem “parcerias com os grandes pecuaristas”. Segundo o texto, “a extração de madeira e a modernidade conquistam corações e mentes dos povos da floresta, incluindo seringueiros que lutaram ao lado de Chico”.

Para bom entendedor, o que se extrai desse texto é que os seringueiros abandonaram os ideais de Chico Mendes e “se deixaram seduzir” pelas atividades que promovem a destruição da floresta. E por que isso teria acontecido? Segundo a reportagem, “ao contrário da borracha e de outros produtos naturais, cujo mercado paga pouco e a longo prazo, uma novilha ou tora de madeira retirada clandestinamente é remunerada à vista”. Sim, é verdade. Mas o que isso quer dizer? Como essas atividades cresceram no Acre e na Amazônia? Seus principais beneficiários são os seringueiros da RESEX Chico Mendes? É evidente que não, mas o repórter não se preocupa com essas questões, de forma alguma irrelevantes.

Outra conclusão possível é a de que a proposta das Reservas Extrativistas não é viável ou não deu certo, ao menos no caso da Chico Mendes. E isso por quê? Por falta de compromisso ético, político ou ideológico dos seringueiros? Mas, afinal, o que foi feito nos últimos vinte anos para a institucionalização das RESEX na Amazônia? Elas se fortaleceram como proposta de reforma agrária para essa região (como propunha o movimento do qual Chico fazia parte)? Proporcionaram aos seus moradores meios adequados de vida? Houve desenvolvimento de políticas públicas apropriadas a sua consolidação? Ou essa tarefa foi deixada a cargo de ONGs, parcerias, projetos com financiamento internacional elaborados de cima para baixo (acompanhando a “onda neoliberal”)? A gestão com participação dos moradores foi fortalecida ou os planos de manejo (a partir da legislação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação) retiraram da base as decisões mais importantes? O órgão ao qual cabe sua gestão (de criação amplamente questionada), com estrutura de trabalho precarizada, tem condições de exercer essa função? Enfim, questões não abordadas pela reportagem, mas fundamentais para compreender o “fracasso” do projeto original. A tentativa de apresentar um tema tão complexo sem as devidas ponderações acaba resultando em uma análise que mais deturpa do que explica, legitimando as tentativas de criminalização dos trabalhadores agroextrativistas.

 O que está em jogo?

Como já mencionamos em outros textos, existe uma disputa sobre o legado político de Chico Mendes, intensificada neste momento em que se completam 25 anos de seu assassinato. A reportagem, aparentemente, não toca nesse assunto. Mas, na prática, atribui a “vitória” desse embate aos seringueiros que ficaram ao lado do projeto da Frente Popular, especialmente Júlio Barbosa e Raimundão. O primeiro, apresentado como “amigo de Chico e ex-prefeito de Xapuri pelo PT”. O segundo, como “peça-chave na luta dos trabalhadores rurais nos anos 80”. Tratamento diverso foi dispensando às lideranças que fazem a oposição a esse projeto e o denunciam abertamente: Dercy Teles e Osmarino.

O nome de Dercy não é mencionado no texto, mas questiona-se uma decisão do STR de Xapuri, de cuja direção ela participa, após dois mandatos como presidente: “Até a entidade que o líder seringueiro presidia quando assassinado admite agora como sócios dois filhos do pecuarista condenado por matá-lo. Guinaldo e Darlyzinho, filhos de Darly Alves da Silva, punido com 19 anos de prisão por ter sido o mandante do crime, estão entre os 3.500 sócios do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri”. Com essa observação, a reportagem reproduz a acusação que vem sendo feita pela chapa apoiada pela Frente Popular (e por Júlio e Raimundão), como é possível verificar em reportagem (de conteúdo ainda mais questionável) publicada por jornal acriano em maio de 2013 [2]. A decisão, contudo, foi fundamentada em parecer da assessoria jurídica do STR de Xapuri, segundo a qual não seria possível barrar a sindicalização dos dois, por falta de critérios legais. Ela não significa a concessão de um “perdão” pelo assassinato de Chico Mendes. Entendemos que vergonhosa é a aliança que o governo do estado fez com os “outros assassinos” de Chico (acima de tudo, uma vítima do latifúndio e da UDR), esta sim de caráter político e merecedora de repreensão moral, mas perfeitamente assimilada pelos velhos “companheiros”.

Assim, como o texto deixa claro, de um lado estão Júlio e Raimundão – que, segundo o repórter do jornal O Globo “preserva a floresta” e “sabe que a luta continua”, sendo “um dos últimos românticos da floresta acriana”. De outro, Dercy (e o STR de Xapuri) e Osmarino, o qual “no passado, era um dirigente conhecido pelos discursos radicais” e hoje “tornou-se um dos maiores fornecedores de madeiras ilegais da região”. Deixaremos para depois a análise dessa afirmação falsa. Primeiramente, é importante esclarecer que a divisão política entre essas lideranças não é recente e teve início, no caso de Júlio, Raimundão e Osmarino, no interior do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS). Os primeiros, com Marina Silva e outros tantos, passaram a apoiar o manejo madeireiro na Amazônia. Alguns membros da família de Júlio estão diretamente envolvidos com a promoção do manejo madeireiro no interior da RESEX Chico Mendes, em Xapuri, iniciado este ano. Osmarino sempre foi contrário e, ainda hoje, se opõe a essa proposta.

Sobre o manejo madeireiro

A ideia associada ao manejo é o de que, legalizado e certificado, ele proporciona um controle da extração ilegal. Na prática, a promoção dessa atividade pelo governo estadual tem ampliado as áreas de exploração madeireira, levando-a para áreas onde ela não era realizada anteriormente. Por exemplo, dentro da RESEX Chico Mendes. Há uma série de questionamentos sobre a real capacidade de “regeneração” das áreas manejadas. Apesar de o benefício econômico para a comunidade ser mínimo, as pessoas costumam aderir aos projetos pelas melhorias a eles associadas, como a abertura e manutenção de ramais (estradas), garantidas pelo poder público de forma seletiva.

Mas, Osmarino questiona o manejo porque prefere vender madeira ilegalmente, por um preço maior? Não, ele é contrário à venda de madeira. Defende que os moradores da reserva possam utilizar a madeira de acordo com suas necessidades, mas não apoia a venda como alternativa econômica. Para ele, o manejo madeireiro, com o uso de máquinas, destrói a floresta. Então, por que teriam sido apreendidas “200 toras” em sua colocação? Na verdade, não se sabe de onde foi retirado esse número absurdo, irreal, pois esta foi a primeira vez que este valor foi mencionado, nem com que provas Osmarino é acusado de ser um grande vendedor de madeira, já que estas nunca foram apresentadas pela fiscalização do ICMBIO. Aqui no blog já temos uma seção dedicada a esse tema (clique aqui).

Apesar de todas as informações que já disponibilizamos na internet sobre o caso, a única observação feita pelo repórter é a de que “Osmarino nega o corte ilegal e se diz vítima de perseguição política”. Na verdade, ele não nega o corte, só não aceita que ele seja considerado ilegal. Defende seu direito ao uso da floresta, na forma tradicional. Não se trata, assim, “apenas” de perseguição política, mas de criminalização de práticas dos moradores da RESEX – e não somente de Osmarino. Isso representa um enorme perigo a médio e longo prazo, para as possibilidades de sobrevivência destas famílias nas terras que ocupam. E isso não em nome da preservação da natureza, como querem acreditar os “desavisados”. Mas porque nelas estão presentes recursos que interessam a outros grupos, de maior poder político e econômico.

O direito à terra foi conquistado com muita luta pelos moradores da RESEX Chico Mendes e Osmarino é parte fundamental dessa história. É uma vergonha que sigam tentando diminuir sua importância e deslegitimar sua trajetória. É também preocupante que acusações sem prova sejam repetidas dessa maneira.

[1] “O governo estadual de Tião Viana (PT) tenta frear o ritmo do desmatamento. Fez parceria com a reserva, para reforçar a fiscalização (…). Mas o cenário político não é hoje favorável a ações mais duras. Em 2012, o PT perdeu as prefeituras de Xapuri e Brasileia, berço das lutas de Chico Mendes, e tenta agora recompor o patrimônio eleitoral perdido”.
[2] Na reportagem do jornal Página 20, onde a notícia com frequência se confunde a propaganda governamental, Júlio Barbosa afirma que “a Dercy erra porque está politizando sua atuação no Sindicato”. Os que não conhecem a realidade política acriana podem não perceber a hipocrisia dessa afirmação. Mas o fato é que o governo da Frente Popular, no poder desde 1999, é reconhecido pela cooptação de sindicatos e movimentos sociais, sendo comandado com “traços de coronelismo” pela família Viana. Esse projeto político é legitimado com a utilização da imagem de Chico Mendes, motivo pelo qual é necessário sempre calar as dissidências que questionam essa apropriação indevida da luta do movimento dos seringueiros.

Apoio a Indígenas no Acre

“(…) sabemos que volumosos recursos públicos têm sido aplicados no estado para atividades que ameaçam diretamente as comunidades e territórios indígenas como as atividades madeireira e pecuária. São atividades que atendem a um pequeno grupo de interesses somando à pressão que o agronegócio brasileiro exerce sobre o Congresso e Governo para enfraquecer e reduzir a garantia dos direitos indígenas no Brasil. Enquanto isso o estado do Acre realiza diversos esforços para divulgar uma imagem a nível internacional de um Estado modelo que protege as suas florestas e as comunidades que delas dependem, em especial as comunidades indígenas. Não foi o que vivenciamos durante a nossa visita”.

Texto completo AQUI

A moção de apoio assinada pelas seguintes organizações:

Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais

Amigos da Terra Brasil

Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais – WRM